Portugal e o Atlântico
Recuemos no tempo. No século I, a Ásia representava 76% do PIB global conhecido, em contraste com os 10% da Europa ocidental. Só a partir da Revolução Industrial é que o Ocidente começou a inverter os termos da equação, valendo em 1820 já 23%, enquanto a queda asiática chegava aos 59%.
No final do milénio, o «Ocidente» liderado pelos EUA detinha quase metade da riqueza produzida no mundo, em contraste com os 37% concentrados na Ásia. A emergência do Ocidente teve, assim, uma dinâmica relativamente rápida nos últimos duzentos anos.
Hoje, atravessamos um tempo de transições na política internacional mas somos sistematicamente confrontados com teses definitivas, como a do «século do Pacífico», a do «declínio do Ocidente», a da «ascensão pacífica da China» ou a do «unilateralismo americano». Em Portugal e o Atlântico procuro questionar estes e outros axiomas, desligando a dinâmica ascensional asiática de um aparente ocaso ocidental e defendendo estar em curso um ressurgimento silencioso do Atlântico capaz de recentrá-lo na geopolítica do século XXI, potenciando a posição geográfica de Portugal e maximizando a sua política externa.
No Atlântico há uma tipologia de regime mais homogénea do que no Índico e no Pacífico, capaz de dotar a sua bacia de uma maior estabilidade interestadual. Essa ordem ocidental é também palco da mais integrada zona económica do mundo (entre os EUA e a UE) alicerçada em laços comerciais e investimentos nos dois sentidos sem comparação com qualquer outra região. Para termos uma noção, entre 2004 e 2012, mesmo passando pelo epicentro da maior crise financeira do pós-Guerra, o comércio de mercadorias na bacia atlântica (América do Norte, Europa, América Central, América do Sul e África) mais do que duplicou no seu volume, representando praticamente metade do comércio global. A UE vende mais do dobro dos seus produtos para os EUA do que para a China e sete vezes mais do que para a Índia. Os países da América Latina e do Caribe exportam mais do dobro para o resto da bacia atlântica do que para o resto do mundo e só a América Latina exporta 40% mais para a zona euro do que para a China.
Mas para além da estabilidade, da segurança e da integração económica, há uma revolução energética em curso no Atlântico capaz de projectá-lo como pivot da produção e exportação de petróleo e gás nas próximas décadas, alterando a correlação de forças com a OPEP e expondo a Ásia/Pacífico como a grande região de consumo de energia global. A par da independência atingida pelos EUA na produção e consumo de gás, seis dos dez países com as maiores reservas de gás de xisto conhecidas estão na bacia do Atlântico e cinco dos dez países com as maiores reservas de petróleo de xisto também pertencem à região. Mas há mais: metade das novas descobertas de petróleo na última década deram-se em países de língua portuguesa (Brasil, Angola e Moçambique) e 70% da capacidade de energia renovável instalada à escala global (bioenergia, solar e eólica) está também concentrada nesta região. Neste quadro, dado que dos 12 terminais de gás natural liquefeito existentes na UE, 7 estão na Península Ibérica e um deles em Sines, Portugal e Espanha podem vir a ser uma enorme porta de entrada da energia atlântica na Europa, diminuindo a dependência europeia da Rússia revisionista e dando ao nosso país uma relevância geopolítica acrescida em Washington, em Bruxelas ou em Brasília. Defendo, por esta e outras razões, que Portugal tem potencial para ser um autêntico pivot geopolítico entre o Atlântico Norte e o Atlântico Sul e um hub económico entre a Europa e a bacia atlântica.
Porque é preciso interpretar o papel de Portugal no mundo, escrutinar as suas opções externas, exigir mais do seu potencial geográfico e das relações históricas no Atlântico, inverter o fatalismo do declínio ocidental, valorizar o que alcançámos, expor os dilemas que enfrentamos na Europa, na Ásia e no Atlântico Sul. Mas acima de tudo defender um rumo de articulação entre as democracias liberais e pluralistas, e um redimensionamento personalizado e sustentado para Portugal. Em Portugal e o Atlântico procuro demonstrar como a morte do Atlântico e o declínio inevitável do Ocidente podem ter sido manifestamente exagerados.
Bernardo Pires de Lima é autor do ensaio “Portugal e o Atlântico”
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor