A Fundação deseja-lhe Boas Festas
Actualmente na Galleria degli Uffizi, em Florença, o Tríptico Portinari, pintado em 1475-76, é uma das mais belas representações da Natividade que o século XV produziu.
O seu patrono, Tommaso Portinari, viveu e trabalhou em Bruges durante mais de quarenta anos, como agente da casa bancária da família Medici. O quadro destinava-se ao altar da igreja do Hospital de Santa Maria Nuova, em Florença, que fora construído em 1288 por um dos antepassados de Tommaso, Folco Portinari, pai da Beatriz amada e cantada nos versos de Dante.
Na tela a óleo, de grandes dimensões (253 cm x 304 cm), estão representados Tommaso e a sua mulher, Maria di Francesco Baroncelli, acompanhados dos três filhos: Antonio, Pigello e Margarita.
A composição é densa e complexa. Nela vemos ao centro três pastores em adoração ao Menino, o qual, ao contrário das representações convencionais, não repousa num berço ou na manjedoura, mas está colocado no chão, cercado por uma auréola de raios resplandecentes. Diz-se que este modo de figuração se inspira no relato das visões místicas de Birgitta Birgersdotter, Santa Brígida, padroeira da Suécia e uma das padroeiras da Europa, da nossa Europa.
Além dos pastores, da Virgem e de Jesus, vemos Santo António, São Tomás, Maria Madalena, Santa Margarida. E vemos os Reis Magos a caminho de Belém e também muitos anjos com vestes de várias cores, cada qual com um significado preciso. No Tríptico Portinari existem dezenas de alusões simbólicas, como a das flores aos pés da Virgem: lírios escarlates, íris, cravos brancos e roxos, alguns dos quais colocados num vaso de majólica, do tipo albarello, usado nas farmácias dos hospitais, pois era importante lembrar que aquela pintura se destinava à capela de um hospital, o mais antigo de Florença, fundado no século XIII, ainda hoje em funcionamento. Notícias recentes dão conta de que em Santa Maria Nuova, o hospital que já albergou esta assombrosa pintura, foram abertos há dias novos postos para despistagem e tratamento da Covid-19, a pandemia que nos flagelou neste ano que agora termina.
Talvez mais espantoso do que isso é sabermos hoje, graças à descoberta de um historiador belga do século XIX, que o autor desta tela, o flamengo Hugo van der Goes, viveu atormentado pela depressão e chegou mesmo a tentar suicidar-se. Segundo os relatos dos médicos da época, van der Goes sofria de uma ansiedade profunda por causa da sua obra, pois sentia não ter o talento nem o tempo necessários para igualar as pinturas dos grandes mestres.
Num tempo, como o nosso, em que vivemos cada instante sob o espectro da loucura, devorados pela ansiosa incerteza sobre como será o futuro, talvez seja uma lição, uma reconfortante lição, sabermos que também o genial criador do Tríptico Portinari padeceu o sobressalto da dúvida e da angústia, mas foi capaz de produzir uma das mais belas representações da Natividade – do seu e de todos os séculos.
A Fundação Francisco Manuel dos Santos deseja-lhe Boas Festas.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.