Direitos e Deveres
O cidadão português não deixa de o ser por se encontrar ou residir noutro país.
Nessa medida, tem os mesmos direitos e deveres que um concidadão que se encontre em território nacional, salvo aqueles que sejam incompatíveis com a ausência do país. A igualdade de direitos estende-se às prestações do Estado, como o apoio social a portugueses emigrantes, como acontece, por exemplo, com idosos carenciados.
Os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro mantêm, com algumas exceções, o direito de voto nas principais eleições.
Os portugueses que se encontrem ou residam no estrangeiro têm direito à proteção do Estado português para o exercício dos seus direitos. A Constituição prevê mesmo uma especial proteção aos emigrantes no que diz respeito às condições de trabalho e garantia dos benefícios sociais, além de acesso dos filhos de emigrantes ao ensino da língua e cultura portuguesas.
Finalmente, os cidadãos portugueses gozam do direito à proteção diplomática e consular do Estado português nas suas relações com o Estado onde estejam ou residam – e no qual são estrangeiros. Isto implica adequado apoio jurídico ou administrativo para defesa e proteção dos direitos dos portugueses. Esta proteção diplomática estende-se mesmo às representações diplomáticas de outros Estados-membros da União Europeia em Países onde não exista representação diplomática portuguesa. Tal resulta do estatuto de cidadania europeia.
CIV
Constituição da República Portuguesa, artigos 14.º; 59.º, n.º 2, e); 74.º, n.º 2, i); 115.º, n.º 12; 121.º, n.º 2
Decreto-Lei n.º 381/97, de 30 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 51/2021, de 15 de junho
A Constituição da República Portuguesa prevê excepções à equiparação dos estrangeiros e dos apátridas aos portugueses no gozo de direitos constitucionalmente consagrados.
A Constituição equipara os estrangeiros e os apátridas aos portugueses no gozo de direitos constitucionalmente consagrados, mesmo no que se refere aos chamados direitos de natureza económica e social: saúde, educação, habitação, etc.
Contudo, a Constituição prevê exceções à equiparação - nomeadamente em matéria de direitos políticos, exercício de funções públicas sem caráter predominantemente técnico, serviço nas Forças Armadas - e admite que a lei estabeleça outras, desde que devidamente justificadas segundo critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade.
A menção a «funções públicas que não tenham caráter predominantemente técnico» tende a afastar os estrangeiros de funções de direção e chefia ou que impliquem o exercício da autoridade pública. Essas exceções devem ser interpretadas cautelosamente, pois o princípio geral é o da universalidade. Os estrangeiros podem exercer funções predominantemente técnicas como as de médico, enfermeiro e docente.
Note-se que, aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa, podem conferir-se direitos não conferidos a outros estrangeiros. Os brasileiros, por exemplo, gozam de um estatuto especial de igualdade. E os nacionais de Estados-membros da União Europeia - que não são propriamente «estrangeiros», dado o estatuto de cidadania europeia - não podem ser alvo de qualquer diferenciação de tratamento em função da sua nacionalidade.
CIV
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 21.º, n.º 2
Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, artigo 18.º
Constituição da República Portuguesa, artigos 12.º; 15.º; 275.º, n.º 2 2
O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) interpreta as normas do direito europeu com o objetivo de assegurar a sua aplicação uniforme nos vários Estados-membros. O TJUE não funciona como um tribunal de recurso das decisões proferidas pelos tribunais nacionais, cujas decisões não anula nem modifica. Quem perde um processo num tribunal nacional não pode interpor recurso para o TJUE.
Os cidadãos só podem aceder ao TJUE por duas vias. Uma é indirecta, mediante um mecanismo judicial chamado reenvio prejudicial, pelo qual um juiz nacional pede ao TJUE que interprete ou fiscalize a validade de uma disposição de direito da UE aplicável ao processo que tem em mãos. O juiz nacional fica obrigado a acolher a resposta do TJUE quando proferir a sua decisão.
Já a via directa de acesso ao TJUE depende do chamado recurso de anulação, interposto contra um acto jurídico emitido por uma instituição, órgão ou organismo da UE. Para tanto, o cidadão tem, porém, de provar que é o destinatário do acto jurídico contestado ou que o acto lhe diz directa e individualmente respeito.
De qualquer forma, o cidadão não fica privado de protecção judicial para fazer valer os direitos que a legislação europeia lhe concede. Os tribunais nacionais estão obrigados a aplicar o direito da UE, independentemente de ser invocado pelas partes.
CIV
Tratado da União Europeia, artigo 19.º, 1
Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, artigo 263.º, 4.º parágrafo, e 267.º
Sim, existe a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (UE) que, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de Dezembro de 2009, adquiriu força vinculativa.
Até então, os direitos fundamentais eram protegidos como princípios gerais baseados na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e nas tradições constitucionais comuns aos Estados-membros da UE. A vantagem de uma carta de direitos é que os cidadãos europeus podem facilmente identificar os seus direitos e exigi-los junto das administrações públicas e dos tribunais dos seus países, bem como das instituições, órgãos e organismos da UE.
Os direitos fundamentais reconhecidos pela UE podem ser invocados pelos particulares, seja nos tribunais nacionais ou no Tribunal de Justiça da União Europeia, quando a medida impugnada (europeia ou nacional) integrar o âmbito de aplicação material do direito da UE. Tal âmbito de aplicação é o que decorre das competências da UE, conforme definidas pelos tratados constitutivos.
Se, num processo que decorre em tribunal nacional, houver lugar à aplicação de normas europeias, os interessados podem invocar os direitos fundamentais garantidos pela UE. Se o direito em causa for igualmente protegido pela Constituição da República Portuguesa e pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, deve aplicar-se a norma que ofereça uma protecção mais elevada ao titular desse direito.
De entre os direitos fundamentais reconhecidos pela EU, destaca-se o direito à igualdade e não discriminação em razão do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual. Vale notar que a proibição de discriminação em razão da orientação sexual foi introduzida na Constituição da República Portuguesa por força, sobretudo, do direito da UE — e que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem propugnado pela mais elevada protecção no que respeita à proibição de discriminação em função da idade e deficiência.
Destacam-se ainda os direitos fundamentais dos trabalhadores, como sejam o direito à informação e à consulta dos trabalhadores na empresa; o direito de negociação e acção colectiva para a defesa dos seus interesses, incluindo a greve; o direito à protecção contra despedimentos sem justa causa; o direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas; e o direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas.
CIV
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 20.º e 21.º; 27.º e 28.º; 30.º e 31.º; 51.º; 53.º
Tratado da União Europeia, artigo 6.º
Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia S. Coleman contra Attridge Law e Steve Law, de 17 de Julho de 2008 (processo n.º C-303/06)
Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia Seda Kücükdeveci contra Swedex GmbH & Co. KG, de 19 de Janeiro de 2010, processo n.º C-555/07
Sim, implica, embora a cidadania europeia seja ela própria um processo em construção e a maioria dos deveres do cidadão europeu tenham de ser cumpridos ao nível dos próprios Estados-membros da União Europeia (UE). Estamos a falar sobretudo daqueles deveres que dizem respeito às receitas europeias, mas também à obediência ou à colaboração com as instituições europeias.
No entanto, a natureza dos deveres fundamentais inerentes à cidadania europeia envolve a própria natureza da cidadania democrática. Ser cidadão europeu significa basicamente ser titular de direitos reconhecidos pela UE, sobretudo direitos fundamentais. O gozo de tais direitos implica, contudo, responsabilidades e deveres, tanto para com as outras pessoas individualmente consideradas quanto para com a comunidade humana e as gerações futuras, estando aqui subjacente uma lógica de contrapartida. Tais deveres «intersubjectivos e intergeracionais» estariam ancorados na própria ideia de dignidade humana, na qual assenta a protecção dos direitos fundamentais na UE.
Por isso, é possível afirmar que direitos e deveres fundamentais são dois lados da mesma moeda. A todo o direito fundamental reconhecido pela ordem jurídica europeia corresponderia implicitamente um dever fundamental. Assim, quando a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia proclama que «[t]odas as pessoas têm direito à vida», depreende-se o dever de não se atentar contra a vida de outrem; quando a Carta proclama que «[t]odas as pessoas têm direito ao respeito pela sua integridade física e mental», depreende-se um dever de respeito pela integridade física e mental alheia; quando a Carta proclama que «[t]odas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar», depreende-se um dever de não se atentar contra a privacidade de outrem, etc.
CIV
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, preâmbulo
Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, artigo 20.º, n.º 2