«O 'efeito Marcelo' é evidente»
Neste terceiro aniversário como Presidente da República, muito se tem comentado o modo como Marcelo Rebelo de Sousa exerce o mandato. Marcelo-institucional tem convivido paredes-meias com Marcelo-entertainer, um astuto fazedor de notícias e um hábil produtor de conteúdos lúdicos e emotivos.
No início do ano, a relação de Marcelo com o entretenimento gerou polémica devido ao telefonema em direto para Cristina Ferreira, na estreia do seu programa na SIC, semanas depois de ter dado uma entrevista a Manuel Luís Goucha para o «Você na TV» (programa da manhã da TVI) e dias antes de gravar uma mensagem sobre o cantor popular Roberto Leal para o «Agora Nós», programa das tardes da RTP1. Esta relação com os media é indissociável da que mantém com a população e ajuda a explicar as «marcelfies» e a app «telemarcelo». Marcelo, presidente de todos os portugueses, é-o igualmente de todos os media.
A atenção dada ao entretenimento e seus apresentadores, e não apenas à informação e aos jornalistas – mediadores tradicionais das instituições de poder –, revela bem a consciência que tem das transformações na política ocidental. A mediatização da política é uma das componentes de um processo mais geral em curso nas democracias desenvolvidas e pós-industriais que tornou a visibilidade mediática parte constitutiva da política. A incorporação da lógica dos media na atividade política não levou, no entanto, à substituição da sua lógica original. O que se verifica é aquilo a que James Mahoney e Kathleen Thelen designam por institutional layering. A mediatização da política pode ser descrita como a introdução de novas regras (mediáticas) por cima de, ou a somar a, regras (políticas) já existentes.
A convivência com os media deu, assim, lugar a novas modalidades de fazer política, como a que Gianpietro Mazzoleni e Ana Sfardini designam por «política pop». Esta rege-se pela lógica do espetáculo e da cultura popular – e instiga um desempenho próximo do showbiz – e já não, pelo menos exclusivamente, por uma abordagem institucional. Num tempo em que o discurso populista se alimenta do ressentimento anti-elites, o entretenimento é um terreno fértil para construir um laço com a população descontente. Marcelo já percebeu isso há muito tempo.
A relação que o Presidente tem com a população e os media é, todavia, indissociável do percurso que fez no comentário televisivo ao longo de 16 anos. Para além de lhe ter permitido consolidar um percurso político, transformando a função de comentador num instrumento político ímpar e sem precedentes no país, o comentário também lhe abriu as portas dos bastidores das televisões, proporcionando-lhe uma formação técnica informal que lhe permitiu aprender a ser um profissional de televisão. A presença continuada no ecrã levou-o ainda a construir uma relação de familiaridade com os jornalistas e os espetadores, que o tempo ajudou a fortalecer e a humanizar.
Se a sua presidência está a reconfigurar a instituição, enquanto comentador já ficou para a história: fabricou um novo molde e tornou-se a medida-padrão para o comentário político em Portugal. O «efeito Marcelo» é evidente e ajuda a compreender as razões pelas quais o comentário se tornou uma componente estruturante das carreiras políticas e das emissões televisivas.
Rita Figueiras é autora do retrato Efeito-Marcelo: o comentário político na televisão.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.