Entrevista GPS #64: «1 em cada 3 mulheres será vítima de violência cometida pelo parceiro»
Qual é a sua área de investigação e porque a motiva?
Estudo economia de crime e de género. O objectivo do meu trabalho de investigação concentra-se principalmente em entender como prevenir violência cometida contra mulheres e crianças em vários contextos, incluindo Índia, Reino Unido, Moçambique, México, El Salvador e Estados Unidos da América.
O que mais me motiva relativamente a este tópico é sem dúvida o facto de o problema de violência contra mulheres e crianças ser bastante comum na grande maioria de países. É um problema que afecta as mulheres de diferentes formas ao longo da vida, de acordo com os papéis socioeconómicos que vão desempenhando dentro do agregado familiar e no seio da sociedade. Por exemplo, se nos centrarnos no aspecto de assédio sexual, este começa por se manifestar no momento em que as raparigas entram na puberdade. Mais tarde, quando iniciam o período de relações íntimas, estima-se que 1 em cada 3 mulheres será vítima de violência cometida pelo parceiro ao longo da sua vida. Posteriormente, durante o período de gestação e nos primeiros meses de maternidade o risco de violência doméstica aumenta, etc. As diferentes formas de violência afectam directamente mulheres e crianças de todos os níveis socioeconómicos. Como investigadora penso que há ainda imensos aspectos que não entendemos, desde como melhorar atitudes e comportamento desde cedo a como melhor prevenir e reduzir este tipo de violência.
Que aspecto da violência de género em Portugal lhe merece maior atenção, e como nos comparamos com o resto do mundo?
A violência contra mulheres cometida por parte dos parceiros ou ex-parceiros íntimos continua a ser uma das áreas mais problemáticas, uma vez que as taxas de incidência são altas e ainda há muito por melhorar no que respeita à legislação e aplicação desta ao nível da resposta policial, judicial e apoio adicional às famílias e vítimas. Para além disso, esta forma de violência muitas vezes está também ligada ao uso de violência contra os filhos. Este ciclo de violência no seio das famílias tem elevados custos em termos de saúde e progressão económica e social, tanto para as vítimas como para os filhos, e por isso deve continuar a ser uma prioridade. Neste sentido, penso que o primeiro e grande passo seria melhorar a forma como as bases de dados institucionais estão estabelecidas e interligadas, isto porque sem entender os dados e as diferentes formas como se responde à violência doméstica não será possível perceber se a legislação vigente funciona ou mesmo entender quais serão as melhores políticas e soluções para melhorar a resposta a este tipo de crime que é tão peculiar.
No contexto Europeu, Portugal encontra-se ligeiramente abaixo da média Europeia no respeita à taxa de incidência desta forma de violência. No entanto, encontra-se no topo do ranking europeu em termos da percepção sobre o quão comum é a violência doméstica. Isto é importante uma vez que a cultura e o estigma à volta do problema podem estar ligados a uma tendência para não revelar - mesmo nas condições mais privadas possíveis - as verdadeiras circunstâncias com que vivem as mulheres portugueses no seio familiar. Trabalhar no sentido de reduzir este estigma é também algo que poderá promover uma redução deste tipo de crime.
Em que consiste o seu dia-a-dia de trabalho?
O meu dia-a-dia consiste em desenvolver projetos para entender os efeitos de políticas ou intervenções nos comportamentos, atitudes e decisões dos indivíduos quando sofrem ou cometem violência. Na prática, passo bastante tempo a analisar dados, a pensar e desenhar protocolos de experiências sociais, a falar com parceiros públicos e a implementação intervenções. A melhor parte de tudo é poder discutir e aprender junto com os meus colegas.
No que toca a dados, grande parte do meu dia está reservada a compreender dados quantitativos que obtenho de entrevistas com as populações-alvo no âmbito dos diferentes projectos. Por exemplo, dados de entrevistas que recolhemos e que nos permitem mapear e estudar os padrões de deslocações de alunas em Delhi e de como é que estas escolhas estão relacionadas com o risco de assédio sexual na via pública. Outro exemplo, analisar dados confidenciais da polícia que permitem estudar a forma como as condições de resposta policial a chamadas associadas à violência doméstica determinam a possibilidade de condenação nestes casos. Todas estas questões envolvem uma recolha de dados que por vezes demora anos, uma vez que é necessário desenvolver parcerias com agências governamentais em diversos países. No entanto, este processo acaba por ser muito compensador uma vez que se aprende imenso a falar com a polícia, os professores, as alunas, os líderes comunitários, entre outros.
Ao longo da sua carreira, qual foi o episódio profissional que mais a marcou?
O que eu mais gosto de fazer na minha profissão é estar relacionada com pessoas com quem posso aprender. Neste sentido, qualquer oportunidade que tenho de estar presente em conferências representa sempre um bom momento para conhecer novos colegas e discutir temas comuns ao nosso trabalho. Da mesma forma, sempre que surge a oportunidade de viajar para o Reino Unido, Índia ou Moçambique para trabalhar junto com os parceiros locais é sempre uma experiência fantástica. Nesse sentido, sinto-me uma privilegiada por poder aprender, colaborar e assistir de perto a como é que os programas e os problemas são pensados e discutidos por parte das organizações responsáveis.
Que impacto é que a sua investigação poderá ter na sociedade e no mundo?
Talvez seja um pouco idealista mas espero que com os resultados do meu trabalho – e das equipas em que me encontro inserida – seja possível melhorar as condições das mulheres e crianças de forma a que tenham uma vida e um futuro mais próspero. Esta sempre foi a razão porque quis estudar e trabalhar nesta área e espero poder alcançar este objetivo pouco a pouco.
Consulte o perfil de Sofia Amaral no GPS-Global Portuguese Scientists.
GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.