Direitos e Deveres
Provavelmente não, pois é natural que se verifique uma de duas situações.
A primeira é a legítima defesa, que confere um direito de matar outra pessoa se esse for o único meio de impedir que ela atente ilicitamente contra a vida (ou outros interesses) do próprio defensor ou de terceiro. Na legítima defesa, não se exige que os bens que se quer proteger sejam mais valiosos do que aqueles que se ofendem com a defesa — mas exige-se que os meios utilizados sejam «necessários», isto é, que, dentro dos meios eficazes para realizar a defesa, se empreguem os que menor prejuízo tragam ao agressor. Assim, se for possível rechaçar uma tentativa de homicídio através da simples força física (por ex., desarmando o agressor), o defensor não pode invocar a legítima defesa para lhe causar a morte. Por fim, costuma excluir-se da legítima defesa os casos em que o agredido provocou a agressão com o fim de, com esse pretexto, atingir o agressor.
A segunda situação é o chamado estado de necessidade, que leva a que o homicídio não seja punível quando a morte de alguém se mostre absolutamente necessária para afastar um perigo iminente causado por fenómenos naturais ou por terceiros e não for razoável exigir uma actuação diferente. Será o caso, por exemplo, do náufrago que afoga outro para se apossar de uma bóia apta a salvar apenas uma pessoa. O direito penal não exige aos cidadãos que se comportem como heróis, submetendo-se a sacrifícios pessoais extremos.
Esta situação não atribui um direito de lesar os interesses de terceiros (que podem defender-se a coberto da legítima defesa) e tem obviamente limites. Não poderia aplicar-se, por exemplo, ao indivíduo que, ao ver-se trancado num ascensor imobilizado por excesso de peso e cansado de esperar por socorro, que tarda em surgir, empurra outra pessoa para fora da cabina e lhe provoca a morte, a fim de que o ascensor retome a marcha e ele próprio recupere a liberdade.
CRIM
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Código Penal, artigos 32.º e 35.º
A resposta a ambas as perguntas depende de vários factores. Se existir convenção internacional válida que preveja o caso, são as soluções nela contidas que se aplicam. De contrário, há que distinguir várias hipóteses.
Se o crime ocorrer fora do país, mas tanto o homicida como a vítima forem portugueses, viverem habitualmente em Portugal ao tempo do crime e o homicida for encontrado em Portugal, os tribunais portugueses podem puni-lo aplicando-lhe a lei nacional. Nestes casos, a lei portuguesa não exige que o homicídio em causa também seja punível na lei do país onde foi cometido (embora seja duvidosa a compatibilidade desta solução com o direito internacional geral).
É óbvio que o homicídio constitui crime na generalidade dos países, mas não necessariamente sob as mesmas formas que em Portugal. Basta pensar, por exemplo, naquilo que geralmente se designa eutanásia — o auxílio médico à morte de outra pessoa, a pedido dela, autorizada num pequeno número de países, mas que em Portugal se considera crime.
Se a pessoa que cometer o crime for portuguesa mas a vítima for estrangeira, ou ambas forem portuguesas mas uma delas não viver habitualmente em Portugal, então o homicídio só será punível em Portugal caso também constitua crime no país onde foi cometido. Assim, usando o mesmo exemplo, se um português auxiliar um estrangeiro a morrer nos Países Baixos, respeitando a regulamentação aí vigente, não poderá ser punido pelos tribunais portugueses, pois o acto é lícito no lugar onde ocorreu.
Já a possibilidade de julgar alguém no estrangeiro por um crime cometido em Portugal depende do local onde a pessoa for encontrada. Se o for em Portugal, o julgamento decorrerá nos tribunais portugueses, já que, em princípio, o Estado português não concede a extradição por crimes cometidos em território nacional. Se o for no estrangeiro, a lei do país em causa terá de atribuir ao respectivo sistema jurídico a chamada jurisdição extraterritorial.
Na hipótese de o crime ter sido praticado em território nacional, o Estado português pode pedir a extradição do agente para ser julgado nos seus tribunais, mas a pretensão cessa se o agente for julgado e absolvido pelo Estado estrangeiro ou se, tendo aísido condenado, houver já cumprido a pena.
CRIM
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Código Penal, arts. 4.º a 7.º e 131.º s.;
Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal), arts. 3.º, 32.º, n.º 1, al. a) e 69.º s.
Não.
Ao contrário do que sucede noutros ramos do direito, a lei penal — em termos gerais, a que se refere aos crimes — não pode ser aplicada por analogia. Ninguém pode ser punido por condutas diferentes das definidas legalmente, mesmo que as semelhanças entre o facto praticado e o crime descrito na lei sejam muito significativas.
Tal como a proibição da retroactividade da lei, a proibição da analogia é uma garantia da segurança dos cidadãos, pois impede que alguém seja punido por condutas que a lei não definia como crimes ao tempo da sua prática. Por exemplo: a norma que pune o médico que recusa o auxílio da sua profissão em caso de perigo para a vida ou a integridade física de outra pessoa não pode ser aplicada a um enfermeiro.
O facto de a analogia ser proibida não significa que a lei penal não envolva uma actividade de interpretação pelo juiz, que não se limita a aplicar mecanicamente a lei.
CRIM
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Constituição da República Portuguesa, artigo 29.º, n.º 1
Código Penal, artigos 1.º, n.os 1 e 3; 200.º; 284.º
Não.
Em regra não existe aplicação retroactiva da lei penal: um acto só é punível se a lei que vigora no momento em que é praticado o ameaçar com uma pena. O direito não se confunde com a ética nem com a moral, apesar de as condutas definidas como crime terem normalmente relevância ético-social — isto é, serem mal vistas pela sociedade, mesmo antes de as lei as definir como crime. A não retroactividade da lei é um pilar fundamental do Estado de direito. Só assim as pessoas podem orientar a sua actuação, seguras de que, respeitando a lei em vigor, não serão alvo de sanções penais.
Uma conduta considera-se praticada no momento em que a pessoa actuou, independentemente de quando se produza um eventual resultado causado por essa acção. Por exemplo, quem executasse uma prática abortiva na véspera da entrada em vigor de uma lei que passasse a punir a interrupção voluntária da gravidez, morrendo o feto já na vigência da nova lei, não seria punido.
Porém, a retroactividade da lei penal só é proibida quando a lei posterior for desfavorável a quem pratica o facto. No caso de ser mais favorável, por descriminalizar o facto ou por reduzir a pena aplicável, ela deve aplicar-se retroactivamente: se, no momento da avaliação da responsabilidade, a sociedade considera que factos daquele tipo não devem ser punidos ou devem sê-lo em menor grau, a aplicação da pena que já é vista como desnecessária seria um mal inútil e, por isso, sem sentido.
CRIM
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Constituição da República Portuguesa, artigo 29.º, n.os 1-4
Código Penal, artigos 1.º, n.os 1 e 2, e 2.º