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Entrevista GPS #25: «Em Portugal, o financiamento para investigação é escasso e incerto»

Entrevista GPS #25: «Em Portugal, o financiamento para investigação é escasso e incerto»

Entrevista a Catarina Vinagre, bióloga marinha da FCUL e do MARE, em Lisboa.
4 min
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Catarina Vinagre estuda as espécies marinhas mais e menos sensíveis às alterações climáticas. Esta entrevista foi realizada no âmbito do GPS - Global Portuguese Scientists, um site onde estão registados os cientistas portugueses que desenvolvem investigação por todo o mundo.

 

Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

Sou investigadora em biologia marinha na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e no MARE - Centro de Ciências do Mar e do Ambiente. O meu tema de investigação é sobre o impacto das alterações climáticas nos ecossistemas costeiros. Pretendo perceber quais são as espécies mais vulneráveis e quais as mais resistentes ao aumento de temperatura, e como elas se relacionam entre si. É importante ter este conhecimento de forma a podermos ter capacidade de previsão sobre quais serão as espécies marinhas presentes na nossa costa no futuro.

Sabendo quais as espécies mais vulneráveis podemos iniciar programas de conservação. Sendo que muitas das espécies são comerciais, esta é uma informação também importante para o sector das pescas, que terá de se adaptar ao eventual desaparecimento de algumas espécies e ao aparecimento de novas espécies, típicas de zonas mais quentes, mas que poderão vir a encontrar condições favoráveis na nossa costa.

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

É a descoberta. Na área das alterações climáticas há muito a descobrir. Todas as espécies estão interligadas. Cada espécie tem os seus predares e as suas presas. Uma espécie pode ser muito resistente ao aumento de temperatura, mas se as suas presas não o forem, também ela será vulnerável ao aumento de temperatura, apesar de o ser de forma indirecta. Daí a importância de testar muitas espécies e investigar de que forma se relacionam umas com as outras.

O panorama científico português tem investigadores excelentes, com grande impacto internacional, mas que estão constantemente em risco de no final das suas bolsas e contratos terem de emigrar ou mudar de vida.

Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?

Eu fiz períodos de investigação em França, nos Estados Unidos e no Brasil. Encontrei realidades e formas de fazer investigação totalmente diferentes entre si e muito diferentes de Portugal. O meu objectivo em França e nos Estados Unidos foi trabalhar com especialistas, aprender novas técnicas e voltar com novos conhecimentos para aplicar aos nossos ecossistemas. Em ambos os países encontrei uma comunidade académica muito activa e com muito interesse na partilha de ideias para o avanço da ciência. Isso não foi inesperado, mas foi contrastante com a nossa realidade, em que é tudo muito mais fechado e limitador.

O Brasil foi o país onde permaneci por mais tempo, devido a uma colaboração que pretende perceber se as zonas tropicais serão mais afectadas pelas alterações climáticas do que as zonas temperadas (tudo indica que sim!). A realidade do Brasil é muito diversa, com grandes diferenças entre estados e no financiamento das universidades. Eu trabalhei na Universidade de São Paulo, que é a melhor da América Latina e uma das melhores do mundo. Foi uma experiência excelente e que proporcionou um grande avanço nos nossos trabalhos. Em qualquer um destes países, os investigadores têm maior estabilidade laboral e muitíssimo mais apoio das estruturas envolventes, o que lhes permite um maior foco nos seus temas de investigação. Este tipo de colaborações internacionais permitem-nos ganhar novas competências, explorar novos temas e entender como podemos melhorar a nossa forma de organização.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

O panorama científico português tem investigadores excelentes, com grande impacto internacional, mas que estão constantemente em risco de no final das suas bolsas e contratos terem de emigrar ou mudar de vida. Os financiamentos para os estudos científicos são escassos e incertos. Há toda uma geração de investigadores na qual o país investiu durante anos e o resultado foi um enorme salto de qualidade na ciência nacional, mas tudo isso é frágil se não foram instituídas verdadeiras carreiras de investigação e financiamento anual estável, à semelhança do que existe noutros países.

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

A ideia de integrar os investigadores portugueses numa rede online é interessante e útil para aumentar a conectividade entre indivíduos e grupos de investigação a nível global.

Consulte o perfil de Catarina Vinagre no GPS – Global Portuguese Scientists.
GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Autor
Portuguese, Portugal